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Ninguém faz porque quer

Ninguém escolhe morar mal podendo morar bem. É questão de bom senso. Por que morar mal se eu não sou faquir e posso morar bem? Por que morar mal se eu não fiz promessa para o Palmeiras ser campeão do mundo, nem esperei o trem passar para entrar na plataforma da estação?

Cada um é cada um, mas todos, se pudessem, iam morar bem. Morar em casa bem construída, sem medo de assalto, de tromba d’água, de tempestade de verão ou deslizamento de morro, no mais escuro da madrugada.

Só mora mal quem não tem outro lugar para morar. Ninguém vai pra rua deitar debaixo de um viaduto numa noite gelada de inverno por prazer. Ninguém se cobre com cobertor velho e trapos, nem deita em cima de caixa de papelão desmontada pela experiência e depois dizer que é legal.

Não, as pessoas fazem isso quando não têm outra coisa pra fazer. Conversando com gente que entende do assunto, descobri que a comunidade mais pobre é a perto das linhas de trem. Mora lá quem não tem condição de morar em comunidade mais protegida e bem instalada. Quem não tem nada, exceto a certeza da miséria e a probabilidade da fome e do desamparo nas noites mais frias.

O fantástico é que tem gente que acha que isso é normal, que é assim porque sempre foi assim, então não tem que mexer.

Eu queria saber como seria a reação do cidadão escondido no bem bom da casa aquecida se, em vez do desconhecido magro e malvestido, fosse seu filho quem estivesse passando frio.

Não tem como ficar indiferente diante da fome, do frio e do sofrimento. Tem alguma coisa errada na ordem das coisas, tem alguma coisa fora de lugar no ritmo da sociedade. Nem todo mundo precisa ser bilionário, mas um pouco mais de muita coisa faria bem pra muita gente.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.