A questão são os juros
Doutor, eu sei que não é da sua conta, mas eu tenho um problema para o qual eu necessito a sua ajuda. Eu poderia assaltá-lo, quem sabe o senhor acreditasse que eu estou armado e me desse o seu dinheiro, mas isto não seria correto.
Não que assaltá-lo não fosse correto, até poderia ser. Mas a questão é outra e precisa ser vista sob outro ângulo. O ângulo da solidariedade humana, imprescindível para um mundo mais justo e mais feliz.
Acontece que eu estou devendo algum para alguém e este alguém parte do princípio, justíssimo, aliás, de que quem deve, deve não apenas o principal, mas também os juros e os acréscimos consequentes da dívida. Assim, um número inicialmente pequeno tende a transformar-se numa exorbitância, se a dívida não for saldada em pouco tempo.
O senhor sabe, ninguém é tolo de cobrar juros baixos numa quadra em que o governo é o primeiro a incentivar a agiotagem. O meu credor até que é camarada, ele tem se pautado em taxas referenciais módicas, se comparadas às dos bancos, mas é que ele ao contrário dos bancos, está interessado no crescimento da economia como um todo, assim, ao invés de sufocar os devedores, ele tenta ajudar-nos, praticando preços razoáveis.
Mas mesmo isto está difícil de ser contornado. Preços razoáveis custam caro e os juros compostos acabam por destruir qualquer possibilidade de quitação do principal.
Tendo chegado neste estágio, eu me deparei com duas situações bastante claras. Eu poderia roubar, ou eu poderia pedir. Pensando longamente em ambas, eu conclui que o mais eficiente seria um sistema misto, com um pouco de roubo e um pouco de pedido.
O senhor tem uma cara simpática, por isso eu optei por pedir-lhe, ao invés de assaltá-lo. Assim, para que os fados se cumpram e eu possa saldar o meu débito dentro do prazo, conto com a sua generosidade e a sua capacidade financeira.
Qualquer três reais seriam admiravelmente bem vistos, não só por mim, mas também pelo meu credor, que é aquele simpático cidadão sentado do outro lado da rua.
Como o senhor pode verificar, ele é grande e não gosta de devedores inadimplentes. Por favor, não me deixe numa situação aflitiva, sem saber como eu vou terminar o dia.
Me ajude na terra que Deus vai lhe dar o dobro no céu. Afinal, o senhor não quer que um menino de rua apanhe, não é mesmo?
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