A primeira missa
[Crônica do dia 26 de abril de 2000]
Hoje, há 500 anos, Frei Henrique de Coimbra rezou a primeira missa em chão brasileiro. Como agora, era Páscoa, tempo de reflexão, de rever a vida, dar um balanço, somar e subtrair os prós e os contras.
Nunca na vida, a maioria dos marinheiros da frota sonhou com a ideia de passar uma Páscoa numa terra nova, distante do mundo conhecido, cercados de índios e índias nuas, caindo em tentação, mesmo durante a missa.
Erguida na praia, a cruz de madeira colocada alta pelos comandantes portugueses era um divisor de águas: de um lado a fé monumental que embalava as conquistas portuguesas e de outro o povo de pele acobreada sem vergonha de suas vergonhas, que as mulheres tinham altas e muito mais bonitas do que as portuguesas.
E o frei rezou a primeira missa compenetrado em sua fé, convencido da vontade divina e que aquela terra deveria ser conquistada para maior glória de Deus.
De outro lado, os portugueses, ajoelhados, se dividiam entre a obrigação da missa e o prazer das índias, convencidos que deveriam conquistar a terra para a maior glória de Deus, que havia banido o pecado das terras ao sul do equador.
É difícil imaginar a cena e saber se o quadro célebre, que retrata a primeira missa, corresponde ainda que de longe ao cenário montado na ilhota onde os portugueses agradeceram a travessia boa e o encontro da terra exatamente onde Vasco da Gama lhes disse que estaria.
Em nome deste Deus, que os índios não conheciam, daí para frente se cometeriam toda a sorte de barbaridades, até que, finalmente, 500 anos depois, restassem poucos herdeiros dos antigos senhores da terra, que naqueles primeiros dias abriram suas portas e suas mulheres em honra do visitante cansado, vindo do outro lado do mar.
Realmente, eles têm muito pouco que comemorar.
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