Como ficam os que não ficam
[Crônica do dia 24 de fevereiro de 1998]
Uma das características dos veículos movidos a motor é que invariavelmente eles se movem. pode parecer incrível, mas até os ex-carros, que se arrastam pelas ruas da cidade, se movem. Andam para cá e para lá, soltando fumaça, queimando óleo, mas se movem. E o que é pior, às vezes aos berros,
não que os berros os façam se mover, não é isto, o que acontece é que eles berram para vender.
Vender de tudo, sendo que, no começo, o mais vendido era pamonha. quem não se assustou com o alto falante esganiçado urrando “olha a pamonha, olha a pamonha fresquinha direto de Piracicaba”?
Eu nunca entendi as vantagens da pamonha de Piracicaba sobre as outras, mas devem ser enormes, senão não falsificariam pamonha, como falsificam uísque, para vendê-las pelas ruas, aos gritos de que são fresquinhas e que vêm diretamente de Piracicaba.
Depois o progresso introduziu produtos os mais variados possíveis. E os berros transformaram-se em urros desafinados que anunciam de tudo, com uma voz anasalada que ninguém consegue entender.
Tem vezes que até parece passeata organizada pela CUT, só que o grito de “companheiro, nóis que greve, nóis faz greve”, ao se aproximar, acaba sendo substituído por um micho “quem vai levar ovo? trinta ovo e dezoito pãezinhos por quatro reais”.
Às vezes, os alto-falantes anunciam produtos tão inusitados quanto cândida, ou tão inesperados como uvas. Outras, oferecem bancos de ferro, árvores de Natal, rolimãs novas e usadas, jornais, revistas, lingeries, cuecas de todas as marcas e, pasmem, até bolo de fubá.
No ritmo que vai, os alto-falantes que andam pelas ruas ainda vão acabar vendendo assédio sexual em dois modelos de luxo, ambos com luz roxa e bolero ao fundo, um para americanos e outro para brasileiros.
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De uma carta do ouvinte Francisco Pall.
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