Robin Hood 2000
[Crônica do dia 2 de fevereiro de 2000]
A recente tentativa de assalto contra o posto do Banespa dentro da Secretaria da Fazenda do Estado, além de seu ineditismo, tem outros aspectos bastante interessantes.
O primeiro é a confirmação do absoluto desrespeito dos bandidos, que positivamente não levam mais a polícia a sério. Se levassem, com certeza assaltariam outra freguesia, como diria minha avó, só para levar o tema mais para trás, que é em última análise para onde quero ir.
Quem lê o Novo Testamento descobre rapidamente o enorme horror que os cobradores de impostos despertavam já naquela época, tanto que os Apóstolos ficam, em todas as versões, completamente atarantados quando o Cristo decide almoçar com os cobradores de impostos, dizendo que ele não havia vindo ao mundo por causa dos bons, mas para converter os maus.
Na Idade Média pagar impostos também não era visto com bons olhos pela população. O resultado disto foi o surgimento de homens como Guilherme Tell, na Suíça, e Robin Hood, na Inglaterra, que se tornaram heróis populares e com enorme prestígio por lutarem contra os poderosos que espoliavam o povo cobrando mais do que este podia pagar.
Guilherme Tell anda meio fora de moda, mas Robin Hood andou ganhando versões cinematográficas novas, e isto me faz pensar que os assaltantes da Secretaria da Fazenda assistiram pelo menos uma das muitas filmagens das aventuras do bom ladrão que roubava dos ricos ingleses para dar aos pobres ingleses.
Tentar assaltar a Secretaria da Fazenda é o renascimento, ou a perpetuação, da lenda, e tem muito de poético e de atávico. Mesmo que os ladrões que tentaram a façanha não tenham a mais vaga ideia do significado do seu gesto, eles representam a revolta do homem contra seu destino, o desespero do mais fraco diante da dominação do mais forte. O grito de revolta dos milhões sem nada contra os donos do poder e isso daria um grande filme.
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