As cruzes nos caminhos
[Crônica de 06 de junho de 2001]
Quando eu era menino e andava a cavalo pelas estradas em volta de Louveira e Vinhedo, ficava muito impressionado com as cruzes e capelinhas construídas às margens delas, marcando o local onde alguém perdera a vida de forma violenta.
A maioria vítima de desastres de automóvel ou caminhão, algumas, mais antigas, com as histórias quase esquecidas, ou transformadas em lendas caídas na boca do povo, lembrando mortes passionais, crimes de honra e até emboscadas, armadas em noites escuras, para completar uma vingança, ou matar um líder político.
Quem vive nos dias de hoje não sabe, inclusive porque não tem tempo para saber, mas no passado muita gente morreu por motivos que atualmente seriam considerados sem sentido, como um casamento que a família não queria, ou porque uma moça foi desonrada e o moço se recusou a casar.
Era comum os homens andarem armados e atirarem para matar por coisas tão banais quanto os assaltos atuais, nas esquinas das grandes cidades.
A diferença é que no lugar em que as vítimas caiam era comum erguer-se uma pequena capela ou colocar uma cruz, para marcar o lugar e lembrar a tragédia.
Quem sabe, isso não aconteça mais nas grandes cidades porque temos vítimas demais e cruzes de menos, ou a morte se tornou tão banal que ninguém perde tempo se preocupando em lembrar só de mais uma tragédia.
No interior não. Mesmo onde o progresso destruiu a vida simples de 20 anos atrás, e a televisão arruinou famílias inteiras, desmontadas pelos sonhos vendidos fáceis e pela ilusão da cidade grande e da fortuna a qualquer preço, ainda é comum se ver uma vela acesa dentro destas capelas, lembrando alguém há muito esquecido, como que guardando a alma do morto, ou acertando suas contas com o purgatório.
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