São Paulo de madrugada
[Crônica de 15 de agosto de 1997]
Chegar de avião em São Paulo é sempre uma experiência única, mesmo quando o pouso se dá de madrugada, hora em que, teoricamente, a cidade deveria estar dormindo.
Só que São Paulo nunca dorme. A cidade mesmo nas horas em que deveria descansar, toca em frente, intensa e densa como sempre, só um pouco mais leve no movimento da maioria das ruas.
As luzes que se estendem de horizonte a horizonte contam do tamanho sem sentido que a vilazinha de Anchieta adquiriu em menos de cem anos.
Um século!… foi o tempo necessário para saltar de menos de cem mil habitantes para os incríveis e inimagináveis 17 milhões que a ONU garante que ela tem.
É gente demais em tempo de menos!
E é o que faz o pouso em São Paulo ser sempre uma nova descoberta, uma forma de aventura, que arrepia a espinha, na comparação entre a nossa insignificância e a vastidão da cidade se espalhando pelas colinas lá embaixo.
São Paulo de madrugada se impõe quem sabe com mais força do que durante o dia.
Suas luzes que nunca se apagam, serpenteando ao longo das ruas que, quais veias, alimentam o corpo monstruoso, delimitam suas fronteiras, internas e externas, dando para quem a vê de cima, uma vaga noção de sua força imensa, de sua respiração adormecida, mas alerta, da soma de todos os sonhos e de todas as vontades que se fundem numa única vontade mais forte e mais alta do que a soma de todas as outras.
Depois, atravessá-la quando suas ruas ainda estão calmas. Cortar a Marginal sem pressa, mas extremamente rápido em função das pistas milagrosamente livres, protegidas pelo horário.
As marginais às seis da manhã têm algo de poético, de inefável, como se suas luzes iluminando tenuemente as águas escuras do tietê mantivessem vivas, nos reflexos do rio, todas as vidas que morreram para que São Paulo fosse São Paulo.
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