Os pregadores do centro velho

[Crônica de 8 de julho de 1997]

– Escutem irmãos, as palavras mágicas que podem livrá-los do inferno da prisão de ventre…

– A verdade está no fundo desta garrafa milagrosa contendo jurubeba e macaxeira….

– Os santos óleos deste potinho curam picada de cobra, hemorroidas, vírus e escorbuto….

– Não deixe para hoje o que você pode fazer amanhã. Compre agora mesmo este bilhete premiado da loteria estadual da Roraima e realize todos os seus sonhos. Vá andar pelo mundo, de avião e até de navio, com o dinheirão que a loteria da Roraima vai lhe dar…

Quem anda pelo centro velho de São Paulo vai escutando os pregadores gritando os seus produtos mágicos, que se confundem com as rezas e as pragas dos arautos do fim do mundo, aos urros, com e sem microfone, prometendo o fogo do inferno para quem não se arrepender rapidamente dos seus pecados, ou não for correndo até a loja elegante, que está liquidando os seus conjuntos de lingerie por preços que amante nenhum resiste.

A cacofonia misturando os mandamentos de deus com as delícias do óleo de rícino, é o som que se ergue constante, acima do burburinho de centenas de milhares de pessoas correndo dum lado para o outro, atrás do pão nosso de cada dia, ou da bolsa, que vai já longe na mão de um trombadinha.

– Arrependam-se irmãos. A misericórdia divina pune com tanta compaixão quanto perdoa. Os caminhos para o paraíso são árduos, e a melhor solução é um múltiplo de dez, que lhe permite ir e voltar, cinco vezes, sentado nos confortáveis trens do metrô.

– Não perca esta chance maravilhosa de receber pelo preço de uma, duas dezenas de indulgências assinadas de próprio punho pelo papa clemente segundo….

Não perca a experiência única de andar pelas ruas do centro velho, escutando a vida maravilhosa que brota na voz de seus pregadores.

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