Casas com gelosias
[Crônica de 12 de julho de 2014]
Se dependesse de parte dos encarregados dos tombamentos de imóveis de São Paulo, a cidade a resgataria as janelas com gelosia. As grades que impediam que se visse da rua o que acontecia dentro. Na sequência também exigiria que as mulheres ficassem quase sempre dentro das casas e quando saíssem para a rua, o fizessem com o corpo e o rosto cobertos.
Pois é, não faz tanto tempo, era assim que as coisas aconteciam por aqui. E a cidade era um ovo, espremida no Centro Velho. Em 1870, eram pouco mais de 20 mil moradores. Imagine se impedissem São Paulo de crescer, erguer prédios e derrubar casas velhas? Como seria hoje com 11 milhões de habitantes.
Os palacetes dos Campos Elísios ainda estão lá. Poucos têm algum valor arquitetônico. Os palacetes da Avenida Paulista foram demolidos, menos ainda tinham valor arquitetônico. As casas dos Jardins são tombadas porque os bairros são tombados, não porque tenham grande significado arquitetônico.
É assim no mundo inteiro. A diferença é que nos lugares mais ricos, a civilização separa o que vale do que não vale. Nova Iorque se refaz permanentemente. Londres está longe de ficar parada. Paris transforma o Palácio Real no museu do Louvre, uma estação no museu d’Orsay e ergue o Pompidou.
Para não falar em Tóquio, Pequim, Xangai, Nagasaki, Cingapura, Mumbai e mais milhares de grandes cidades.
Aqui, querem preservar o insignificante apenas porque foi assinado por um arquiteto que quando fez o projeto não tinha a menor intenção de criar uma obra de arte. Enquanto for por essa trilha, e ainda por cima não tiver nenhuma vantagem para o imóvel tombado, São Paulo será derrubada de noite para ser reconstruída de dia.
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