A cidade das faixas
[Crônica de 21 de agosto de 1998]
Lentamente, mas com enorme obstinação, São Paulo muda seu perfil. De tempos em tempos a cidade se transforma, deixa seu ar, como as cobras que mudam de pele, para renascer outra, com outro jeito e outra cara.
Até pouco tempo atrás, era e merecia ser, a mais Suíça das cidades brasileiras. O título ainda é seu, mas já não é motivo de tanto orgulho.
Quem sabe pelos buracos terem adquirido um peso enorme no seu cotidiano, quem sabe por simples cansaço, a verdade é que ser a mais Suíça das cidades brasileiras, posição alcançada quando o prefeito era o ex-prefeito, deixou de sensibilizá-la.
Por conta disso, São Paulo começou a buscar outra meta para ser ultrapassada. Algum recorde inusitado, alguma façanha inédita no longo anal das façanhas urbanas, algo que mexesse com sua adrenalina.
E o resultado veio, mas veio, como costuma acontecer nessas situações, da forma mais improvável e menos grandiosa possível.
De repente São Paulo descobriu-se a cidade das faixas.
Nada menos impactante, nada menos grandioso, mas nada mais verdadeiro e merecido.
Atualmente, nenhuma cidade do planeta tem condições de concorrer neste campo com a megametrópole brasileira.
Mais uma vez, São Paulo mostra-se imbatível.
A quantidade de faixas que poluem seus horizontes deixaria qualquer arranjador de feira religiosa de largo do interior com inveja e, porque não dizer, com vergonha do acanhado de sua obra.
São faixas de todos os tipos, tamanhos, cores e formatos.
Faixas que vendem a mãe, declaram amor, agradecem milagres, anunciam pílulas falsificadas e tentam colocar ordem no trânsito.
A linguagem gráfica aérea nunca atingiu patamares iguais em nenhum outro lugar do mundo. É por isso que São Paulo orgulha-se, com razão de seu novo título: “a cidade das faixas”.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.