A Santa Casa no tempo

[Crônica antiga de 8 de agosto de 1997]

A primeira notícia que se tem dela é antiga, muito antiga. Remonta ao enterro de Tibiriçá, quando as velas do velório foram pagas com o dinheiro dos primeiros irmãos.

Vale dizer, desde a fundação da Vila de São Paulo a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia está na cidade, exatamente dentro do espírito de todas as outras santas casas do mundo, cuidando dos enfermos e dos abandoados da sorte, como o pensou, no distante século 15, a rainha de Portugal.

Falar da Santa Casa é falar de quatrocentos anos de serviços prestados à comunidade, zelando pela saúde da população, sozinha por mais de três séculos.

É falar da primeira escola de Medicina da cidade de São Paulo. É falar, nestes tempos de SUS e de incompetência oficial, numa organização particular que vai tocando em frente, responsável pelo hospital que dá praticamente todo o atendimento da zona central da cidade.

Verdadeiro pátio dos milagres, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo mostra no rosto das pessoas que a procuram, para serem atendidas de graça, a enorme crueldade da vida, mas mostra também nos seus muros de tijolos, tristes como o sofrimento que ela diminui, que a desesperança pode ser mitigada pelo esforço conjunto de pessoas que acreditam que fazer o bem, de forma quieta e sem alarde, ainda é a melhor resposta para a perguntas sem respostas que são a essência da própria vida.

Quando muito um retrato numa parede ao lado do salão nobre. 

É esta a recompensa de quem, não buscando recompensa, ajuda a obra quatro vezes secular que, por bem ou por mal, segue acreditando nos ideais da antiga rainha de Portugal, que não hesitou em vender suas próprias joias para dar aos desesperados do seu tempo o mesmo apoio que a Santa Casa de hoje, enfrentando todas as dificuldades materiais do mesmo mundo 400 anos depois, procura dar aos desesperados de hoje.

___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.

Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.