Os Sabiás boêmicos
Os sabiás voltaram a cantar de noite. Três horas da manhã, lá estão eles, dentro da madrugada, soltando a voz, ou o pio, com a clara motivação de arrumarem uma fêmea e acasalarem para manter a espécie.
Manter a espécie é uma explicação interessante, mas não há como contradizê-la, até porque a única forma de manter a espécie é essa. Ainda não inventaram um jeito diferente de um óvulo e um espermatozoide se unirem para gerar a vida de uma série de animais, incluídos humanos e não humanos no imenso rol desenvolvido pela natureza.
Tem quem goste da cantoria dos sabiás, tem quem não goste e tem quem chega a ficar com raiva das aves porque, graças a elas, não conseguem dormir direito.
Eu gosto dos sabiás cantando de madrugada, tem poesia e emoção na cantoria. É a vida acontecendo em toda sua força e é bonito ver a vida acontecer, ainda mais na sua força máxima. Sua força criadora, sua capacidade de se preservar e evoluir na longa estrada iniciada milhões de anos atrás e sem fim previsível, dentro da sua precariedade.
Os sabiás são, antes de tudo, boêmios. A cantoria tem como gancho as luzes da cidade que lhes permite soltar a voz quando deveria estar escuro, mas, graças à iluminação pública, está claro. Malandragem de gente da noite, de gente que sabe que viver é mais do que respirar e comer.
Cantando de madrugada eles abrem vantagem sobre as aves que gostam de dormir. E fica mais fácil se acertar com a fêmea que fica acordada, adorando a cantoria para ela.
Mas, de repente, assim que amanhece, os sabiás se calam. É que, cansados dos trabalhos noturnos, vão dormir algumas horas antes de iniciarem a jornada diária. Daí pra frente, o canto é menos desesperado.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.