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Um inverno diferente

[Crônica de 28 de agosto de 1997]

No inverno os pássaros não cantam. Quer dizer, no inverno os pássaros não deveriam cantar. Mas nem todos os invernos são efetivamente inverno e aí, os pássaros se enganam e acontece de um sabiá perder o rumo e cantar como eu estou ouvindo agora.

Pousado na palmeira em frente da minha janela, que também não sabe que é inverno e por isso tem um cacho de coquinhos vermelhos para os pássaros que a procuram e que em troca das frutas dão seu canto e nele contam os segredos das outras palmeiras, servindo de meio de comunicação para uma espécie que a natureza fez imóvel, presas sempre no mesmo lugar pelas raízes que as impedem de se mover.

Inverno com trinta graus à sombra! 

Alemães, suecos, dinamarqueses e russos devem ficar alucinados, lembrando do frio estúpido que os castiga quatro meses por ano, trazendo a noite às quatro horas da tarde e junto a solidão enorme das noites passadas em claro.

Dizem que é “El Niño” dando o ar de sua graça, mudando a o clima do planeta como um aviso da natureza tentando interromper todas as loucuras com que o homem vai forçando a barra, como que querendo desafiá-la.

Seja como for, a loucura do tempo tem graça, e, sentindo o calor de verão que traz a seca, que faz azul o céu e poluído o ar; e ouvindo o sabiá cantar na palmeira do jardim, a vida fica mais quente e mais próxima, como se estivesse me abraçando, para me passar todas as coisas boas que fazem a vida boa.

Eu sei que está errado, e que este calor fora de hora vai cobrar seu preço ainda hoje, no olho ardendo no fim do dia.

Eu sei que mais pra frente o preço vai ser muito mais caro, na safra que não vai nascer e nas chuvas que uma hora ou outra se abaterão sobre a cidade, inundando e matando, com a violência das monções da índia.

Eu sei…, mas isto é depois… agora que a vida seja, radiante, como o dia fora da janela.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.