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Acabou o frio

Acabou o frio. Que alívio para os milhares de moradores de rua da cidade de São Paulo! Que alívio para as autoridades, que podem relaxar na luta insana de arrumar abrigo para eles! Que alívio para a consciência de quem assiste de longe, reza e não faz nada, além de reclamar que ninguém faz nada, mas vai na igreja e bate no peito porque comprou um chiclete para ajudar uma criança.

Acabou o frio. Que bom! Será mesmo? Com o fim do frio, chegam as chuvas torrenciais, as tempestades e as enxurradas, que levam o que tem na frente com a sem cerimônia das forças naturais soltas e cobrando seu preço. Pode mais quem pode mais e elas com certeza podem mais.

O que poderia ser um refresco só muda de jeito. O estrago parece outro, mas atinge a cidade com a mesma violência do frio, na falta de compaixão das águas. 

Não tem o que fazer. Sempre foi assim. Até o século 19 era proibido construir nas várzeas. As enchentes de verão eram tidas como responsáveis pelas doenças, as epidemias, que atacavam os moradores do Planalto. Depois, o desejo do lucro mudou a antiga regra. 

As várzeas passaram a ser vendidas para os imigrantes construírem suas casas. E, mais tarde, para os ricos também. Não se iluda, os Jardins estão em áreas de várzea e inundam, se não tomar cuidado.

Mas o que me move agora são os milhares de moradores de rua e das comunidades espalhadas pela cidade que não passam mais frio, mas estão à mercê das tempestades e suas consequências. Alagamentos, desmoronamentos, enxurradas, granizo, ventanias, vendavais e calor.

Não tem o que fazer, é uma no cravo e outra na ferradura. Entre os dois extremos, sobram poucos minutos para se tomar fôlego e se preparar para a próxima pancada, que vem forte e vai doer.   

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.