Calor brasileiro
Minha avó dizia, nos dias muito quentes, que estava fazendo “um calor africano”. E quando os dias se tornavam insuportáveis, aumentava a escala para “calor abissínio.”
Nada era mais definitivo do que “calor abissínio” para definir o indefinível, a sensação desagradável não transmissível em palavras, dos efeitos devastadores do calor no corpo humano. A tontura, o melado da pele, a boca seca, os olhos pesados, os músculos lassos, a vontade de coisa nenhuma, exceto ficar parado, se possível imóvel, enquanto o bochorno se espalhava pelo ambiente, fazendo lá fora e aqui dentro uma mesma sucursal do círculo mais quente do inferno.
Durante décadas, a definição de minha avó calçou como luva feita sob medida para definir os dias infernalmente quentes do verão brasileiro. Só que agora ficou insuficiente. Não dá conta de projetar o todo, formar uma imagem 360 graus, mostrando tudo o que está envolvido na jornada rumo à criação de um novo círculo, mais quente do que qualquer coisa imaginada por Dante.
Dizem que o núcleo do sol é quente, que o centro das fogueiras em que queimavam as bruxas também, mas não sei se os dias do “novo” verão, explodindo na primavera, ficam devendo alguma coisa a eles.
Quem sentiu na pele a sensação térmica de mais de quarenta graus em São Paulo e muito mais do que isso no Rio de Janeiro e em outras partes do país, nunca vai se esquecer desses dias de novembro, pelo menos até serem superados pelos dias à frente, que, de acordo com os especialistas, devem ser mais quentes ainda.
O novo verão brasileiro ainda está longe, mas já vivemos dias com temperaturas mais altas do que as dos verões passados. Como o caminho é conhecido, não há razão para não acreditar que janeiro será muito pior.
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