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Nosso céu já não tem estrelas

[Crônica de 30 de novembro de 1999]

É triste, mas nosso céu já não tem tantas estrelas. A massa de luz da cidade impede que as estrelas cheguem até nós; que elas nos tragam seu brilho e nele os segredos todos que pulsam num código único, diferente de estrela para estrela.

Nosso céu só reflete a luz das estrelas mais importantes, aquelas que todos os céus, de todas as grandes cidades do hemisfério sul, também refletem.

O clarão das luzes na poluição impede que as outras estrelas menores ou mais distantes cheguem até nós, trazendo na sua luz fraca as histórias de milhões de anos luz passados, quando elas brilhavam vivas e senhoras de um pedaço do universo.

Por causa disso ficamos sem saber o que aconteceu com o anel de planetas que rodeava a estrela “A”; sem saber o que aconteceu com uma primeira forma de vida que se desenvolveu no terceiro planeta em órbita no sol sem número da galáxia de Andrômeda, sem saber o fim da estória maravilhosa de um buraco negro que se apaixonou por uma estrela vermelha no último quadrante da última galáxia a contar da direita para a esquerda de quem olha para o céu debaixo do cruzeiro do sul.

Nosso céu anda tão claro que nem mesmo o cruzeiro do sul consegue varar o clarão da cidade para mostrar os rumos e ensinar os caminhos antigos que levaram milhares de almas para o paraíso.

Tenho para mim que São Paulo perdeu as estribeiras e num acesso de megalomania decidiu brilhar tanto para enganar os astrônomos de um planeta perdido no cosmos, que marcarão em suas cartas celestes erroneamente que a terra é uma estrela, comprometendo as novas rotas de suas astronaves.

E o duro é que este erro terá consequências terríveis: Eles não passarão por aqui e nós nunca saberemos os seus segredos, nem que eles fazem a vida mais leve e a felicidade uma coisa concreta.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.