Os dias de outono
Os dias de outono são os dias mais bonitos do ano. Os dias de outono conseguem um tom de azul que nenhuma outra estação sabe reproduzir. Tanto faz se tem mais ou menos poluição, os dias de outono conseguem uma transparência única, que torna o horizonte profundo, como se abrissem uma porta para nos ligar ao infinito.
São dias agradáveis, pelo menos, no mais das vezes, até aqui sempre foram. Dias com uma temperatura amena, uma brisa suave e alguma chuva, fraca, que ninguém é de ferro e o cheiro de terra molhada não faz mal pra felicidade do próximo, principalmente quando o próximo está próximo.
Os dias de outono embalam a florada das paineiras e recebem a florada dos ipês, especialmente do roxo, que é a primeira a chegar. E o céu fica mais bonito ainda, porque o azul profundo é manchado com o rosa e o roxo das flores das paineiras e dos ipês.
Nos dias de outono, a lua cheia tem um brilho mais forte e mais claro porque a transparência do céu facilita a viagem da luz do sol peneirada pelo satélite, criando um céu de ficção científica, onde os foguetes partem na rota de estrelas que apontam galáxias desconhecidas ou em busca do Cristo que viaja pelos planetas.
Os dias de outono poderiam ser a mais completa consumação da felicidade, o encontro do sonho com a realidade, o passado transfigurado em voo de águia… Mas nem sempre é isso que acontece. A violência não respeita os dias de outono, não se comove com sua beleza, nem com a possibilidade de ser todas as possibilidades.
Os dias de outono assistem acidentes ceifarem vidas, crimes entristecerem famílias, maracutaias desmoralizarem a imagem do país e muita gente tungar dinheiro público, enquanto cem milhões de brasileiros seguem na pobreza, ganhando até dois salários-mínimos por mês.
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