A vida é uma imensa gangorra
[Crônica de 5 de março de 2001]
Se o mundo não sabe muito bem para onde vão suas noções de ética, e se a coisa está preta justamente porque a moral que valia até ontem, deixou de satisfazer as necessidades de hoje, e por isso está tudo confuso e nebuloso, no campo das ciências biomédicas nunca andamos tanto como nos últimos anos.
E com resultados fantásticos. A aventura do genoma humano é das aventuras mais maravilhosas da história, deixando Marco Polo e os outros viajantes lá pra trás, no longo capítulo do encontro do ser humano com o extraordinário.
Que é a descoberta do reino do grande Cã comparada ao descerramento do mistério da vida e da formação do indivíduo? Que são as riquezas do Cã compradas com as riquezas que a genética descobre dentro do corpo humano?
Aos poucos o homem vai ficando imortal, domando as doenças, conhecendo seus mecanismos internos, se aproximando da alma e da noção de eternidade. Dia a dia a névoa do desconhecido perde alguma coisa de sua consistência. Dia a dia a ciência rompe mais uma barreira e nosso passado se projeta no futuro, abrindo novos universos que há dez anos não eram sequer imagináveis.
Mas a vida é um a balanço e o seu movimento de pêndulo tem algo de extremamente cruel, algo que permanentemente nos afasta da ideia de divino que deveria logicamente vir com todo o progresso humano.
Como castigo para nossa presunção, ou freio para nossa soberba, as ararinhas azuis não estarão aqui para ver o triunfo do homem! E o homem, responsável pelo extermínio de mais esta espécie, sabe que as ararinhas azuis não estarão aqui para homenageá-lo porque nós destruímos o ecossistema onde elas eram livres em seu voo tingindo de azul o azul do céu. Nós sabemos e por isso a morte da última ararinha azul vai pesar em nossos ombros, como a saudade do paraíso perdido.
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