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Testemunha, não foi bem assim

Eu vi, eu vi, foi assim que aconteceu. Estava na janela e deu para ver tudo, ou até antes de tudo, primeiro escutei o estrondo, depois a brecada, ou será que foi ao contrário, primeiro a brecada e depois o estrondo?

Tanto faz, eu vi, eu vi, posso contar como foi, dar entrevista para a televisão, narrar detalhes, mostrar o sangue na calçada; eu posso porque eu vi, tenho certeza que foi assim porque eu estava na janela dos fundos e quando ouvi o barulho da pancada corri para a janela da frente e deu pra ver tudo acontecendo. Por isso eu tenho certeza que foi assim.

Como, se eu estava nos fundos e corri para a frente depois de ouvir o barulho, como posso ter visto o que aconteceu? É lógico que eu não vi, que cheguei depois. Como? Você está me questionando, duvidando do que eu estou dizendo? Mas se eu estou dizendo que foi assim, como você pode duvidar do que eu estou falando? Eu garanto que eu vi, posso ser testemunha.

Não, eu não estava na janela da frente, já disse, estava na janela dos fundos, aí ouvi a batida, corri pra frente e vi o que aconteceu. Como, quando eu vi já tinha acontecido? Não dava para ouvir o barulho, correr e ver acontecer? Pode ser, mas eu tenho certeza que vi.

Como os carros bateram? Ora, bateram um no outro. O vermelho entrou no branco. Se o branco estava parado? Olha, não tenho certeza, mas eu vi o carro vermelho amassado atrás do carro branco que também estava amassado, então é lógico que eu vi a batida. Não, não sei se o carro branco tinha brecado ou estava andando. Mas isso é importante? Ou importante não é o carro vermelho ter batido atrás?

Quando eu cheguei na janela da frente o motorista do carro branco tinha descido, mas o motorista do carro vermelho estava preso nas ferragens, ele não conseguia sair. Eu não ajudei, foi só isso que eu vi.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.