Momento único
[Crônica de 8 de setembro de 2003]
Marte brilhava praticamente sozinho no céu. Uma ou outra estrela ousava enfrentar o planeta, semiescondida pelos confins distantes dos diferentes horizontes.
Dono do céu, Marte brilhava intensamente, como um farol avisando a Terra da proximidade atual dos dois astros e dos riscos de uma colisão em função da atração comum desde o começo do sistema solar.
Marte era a dona da noite urbana da maior cidade da América do Sul. Dona de cada nuvem, de cada sopro de vento, de cada luz que se acendia ou se apagava, nas janelas da vida.
Na rua os automóveis corriam seguindo a rota quase cega de seus faróis indiferentes ao planeta arrogante espalhando seu brilho no céu de inverno.
Confesso que o brilho de sua luz praticamente sozinha tomando conta do céu, crescendo em direção ao grande vazio deixado pelas outras estrelas, me pareceu uma temeridade que poderia ter consequências sérias para a ordem cósmica e para o movimento dos astros como um todo.
Mas não teve. Nada se alterou ou cresceu ou minguou. Simplesmente a vida manteve sua toada e os anjos não precisaram interferir para evitar o incêndio que por um vago momento se anunciou, num clarão mais forte saído do planeta brilhando perto da terra.
A noite prosseguiu seu caminho rumo à madrugada ainda distante, ignorando o brilho de Marte com a calma de quem jantou bem e não quer brigar. E eu deixei o canto escuro do jardim onde via a noite e entrei em casa para fugir do frio cortante do mês de agosto.
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