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Primavera

[Crônica de 23 de outubro de 2002]

Tem gente que acha que a primavera começa em dia certo, com hora e minuto cravados. Pode ser, mas eu não tenho tanta certeza. Para mim a primavera começa na hora que ela começa e nem sempre é no dia e na hora que deveria ser.

Pode ser porque as estações depois de virarem música clássica usada em anúncio de sabonetes tenham descoberto um senso de humor que antes elas não tinham.

Pode ser porque o homem precisa aprender que existe uma enorme diferença 

entre mandar no mundo a achar que manda.

Pode ser mais uma dezena de motivos, mas nenhum é mais importante do que as pitangas e as amoras da D. Iolanda. 

São elas que me dizem quando é primavera, sendo ou não sendo, estando mais quente ou mais frio, mais chuvoso ou mais seco.

Tanto faz, as pitangas e as amoras da Dona Iolanda balizam o círculo das estações e me garantem que é primavera na hora que as frutas ficam maduras, e isso acontece sempre depois da data oficial para a primavera começar, o que quer dizer que eu estou sempre um pouco atrasado, até em anos loucos como este, em que um ipê amarelo decidiu florir em outubro.

As pitangas da Dona Iolanda são parte da minha rotina desde a época que fomos vizinhos e eu descobri num belo mês de outubro que as árvores da calçada mais do que florirem, davam frutos e bons.

Faz tempo. Eu já mudei de casa há mais de dois anos, mas, mesmo assim continuo indo na calçada da Dona Iolanda, no começo de cada mês de outubro, para ver se já começou a primavera e se já é hora de comer as pitangas e as amoras que nascem fartas, vermelhas ou quase negras, nas duas árvores que eu conheço tão bem.

Por isso eu sei que agora estamos na primavera: eu fui lá e comi no pé as frutas que marcam a estação.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.