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O pedaço mais singelo

[Crônica de 15 de fevereiro de 1998]

São Paulo é um mar que se espraia por mais de 1.000 km, em todas as direções, morro abaixo e morro acima, numa bagunça urbana espantosa, que mistura e separa, atraindo os opostos e criando quadros únicos, um mais inusitado do que o outro.

Dentro deste universo caótico a poesia convive com a violência, a miséria com a fartura, a beleza com o horrível. Cada rua tem algo diferente que a faz única, diversa de todas as outras, até quando são quase iguais, nos confins de seus limites, ou balizando os conjuntos habitacionais.

A cada passo a cidade se transforma, surge outra, com detalhes que não se encontram em nenhuma parte e que, somados, criam um mundo que é um pequeno pedaço de outro mundo, muito mais vasto, e onde diariamente se perdem tantos Raimundos.

Entre todos os nortes que balizam a cidade, entre tantos rumos e tantas partes, nenhuma é mais singela do que o Centro Velho. Antigo coração da metrópole, faz tempo que ele deixou de pulsar, substituído por outros corações que também vão tendo – e perdendo – a sua vez.

Mas o Centro Velho, se perdeu sua importância econômica e política, manteve seu carisma, feito do encontro de opostos, como os sisudos banqueiros que dividem suas ruas estreitas com os camelôs; ou os prédios humildes da Praça da Sé, que são obrigados, todos os dias, a dormir e a acordar, olhando de frente para a catedral e para o Tribunal de Justiça.

Mas eles não sentem inveja. Eles sabem que a casa de Deus e a casa da justiça precisam ser bonitas.

Afinal, se deus não tiver uma casa que o louve à altura, como esperar que ele se compadeça dos nossos pecados – que aqui podem ser muitos?

E se os homens não honrarem a justiça que os faz iguais, como esperar um futuro melhor?

O Centro Velho tem contrastes que fazem pensar nas esquinas da vida.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.