Um retrato de Anchieta
[Crônica de 6 de julho de 1999]
Qual a expectativa de vida para alguém que aos vinte anos, 460 anos atrás, na península Ibérica, descobre que está tuberculoso? Mais alguns dias, uns meses, quem sabe um ano? … No máximo.
E o que esse alguém pode achar da vida, sendo que além de descobrir que está tuberculoso, também é manco e corcunda? Miséria pouca é bobagem… será?
Não para esse jovem, manco, corcunda e que descobriu aos vinte anos, nos idos da primeira metade de 1.500, que ainda por cima estava tuberculoso. Para ele a vida começou nesse momento. Ao saber-se condenado, decidiu prorrogar seu tempo de vida, deixando a Europa insalubre em busca dos ares, quem sabe, melhores do novo mundo recém-descoberto.
Noviço jesuíta, José de Anchieta desembarca no Brasil para cumprir seu resto de vida, provavelmente curto. Mas Deus escreve à sua maneira, e nos mapas do céu estava escrito que o destino do jovem teria final diferente do roteiro normal. Que ele não morreria em poucos meses, nem que suas deficiências físicas e de saúde seriam empecilhos para a sua obra monumental.
Desde o momento em que desceu da nau que o trouxe, o jovem noviço se atirou de corpo e alma, como quem sabe da precariedade da vida, à sua missão evangelizadora e à compreensão dos índios que eram o seu objetivo maior.
Com todas as suas deficiências subiu a serra de Paranapiacaba, para com Nóbrega e Aspicuelta, fundar o colégio de São Paulo de Piratininga. Depois, já padre, entrou pelo sertão atrás dos indígenas que queria no seio de Cristo. E se submeteu ao papel de refém, para conseguir a paz com os Tamoios.
E escreveu nas areias da praia os versos para a Virgem. E escreveu um dicionário tupi. E, muito tempo depois, depois de uma obra imensa e maravilhosa, poucas vezes realizada por poucos homens, morreu em paz com Deus, depois de ter sido Provincial da Companhia de Jesus nas terras do Brasil.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.