Pelo direito inalienável à vida
[Crônica de 8 de outubro de 2001]
O Brasil é um país muito curioso, sob todos os aspectos. Um dos mais interessantes, e que já foi assinalado por Mário de Andrade, é que aqui existem duas línguas, uma falada e outra escrita, sendo que a palavra escrita invariavelmente não quer dizer aquilo que o dicionário diz que ela quer dizer.
Com o passar do tempo, a prática se estendeu para a palavra falada e aí o samba do crioulo doido virou a regra geral, tão ampla e irrestrita que, por conta dela, até nossa constituição é ininteligível.
Aqui democrático é quem se baseia em regras que no mundo inteiro desembocaram nas mais duras e cruéis ditaduras. Reacionário é quem quer um país andando pra frente, como os mais avançados do mundo. E os terrenos dos antigos quilombos devem ser devolvidos aos descendentes dos quilombolas, como está escrito com todas as letras, para mal de nossos pecados, na Carta Cidadã, de 1988.
Em contrapartida, o país vem se destacando no cenário internacional, mesmo com alguns milhares de quilômetros de florestas sendo desmatados todos os anos, como um dos paradigmas da preservação ambiental.
Nenhum mico leão dourado do mundo vive como os nossos. Nenhuma baleia jubarte do mudo vive como as nossas. Nenhuma tartaruga do mundo vive como as nossas. E é muito bom que seja assim, porque são programas sérios que deveriam ser copiados e servir de exemplo, inclusive para nós mesmos, em vários outros campos.
Afinal, se nós temos estes programas dando certo, por que não conseguimos fazer alguma coisa parecida com os meninos de rua? Por que não conseguimos por ordem na ocupação do solo urbano? Por que apanhamos dos buracos nas ruas da cidade? Por que os riquixás competem com os caminhões na coleta do lixo?
A única resposta lógica é que nenhum deles é um problema ou uma espécie em extinção.
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