O show das quaresmeiras
[Crônica de 23 de fevereiro de 2010]
É o grande momento delas. O ano inteiro, elas se guardam para alegrar a época triste da penitência pelo suplicio do Cristo. Quaresma. Quarenta dias de sacrifícios em nome da purificação da alma, na lembrança do martírio do filho de Deus pela redenção dos homens.
Não se come carne nas sextas-feiras. Houve época em que purgação era muito mais severa. É neste momento em que as igrejas cobrem as imagens de roxo que as quaresmeiras dão o ar da graça. Na maioria das vezes também roxas. Mas alegremente densas. Com as flores penduradas dos galhos enfeitando a planta como se fosse dia de gala, comemoração maior, instante de sonho convertido em realidade.
As quaresmeiras se espalham democraticamente por toda a cidade. Não têm preferência. Vão do canteiro central da Avenida 23 de Maio a praças pequenas, escondidas nos confins dos bairros.
E enfeitam a vida. Dançam no vento, cantam o assobio das brisas nos galhos cobertos de flores, aonde os pássaros se escondem e os sabiás aproveitam para estrear uma nova melodia.
Fevereiro é o grande momento. O milagre da multiplicação das cores. A reverberação das cores, na explosão rica do rosa, do roxo e do branco com que costumam se vestir, todos os anos, desafiando as azaleias pelo título de maior florada da cidade.
No seu momento de glória as quaresmeiras deixam a modéstia de lado. Se empertigam, cortam de cima, e olham os buracos nas ruas com a cruel piedade dos que se sabem mais, mas fazem um ar humilde quando se deparam com quem é menos.
Graças a Deus as quaresmeiras nos fazem esquecer da chuva.
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