As sentinelas do parque
[Crônica de 19 de junho de 2000]
Tomar conta de um parque não é fácil. Que o diga quem tem que fazer isso como missão de vida, ao longo dos anos, dia após dia, faça frio ou calor, chuva ou sol. Que o digam os dois pinheiros plantados na entrada do parque da Luz, de frente para a avenida Tiradentes, olhando para todos os lados, para dentro e para fora, porque está é sua missão e seu destino.
Vieram pequenos das florestas de Riga, na Rússia. Atravessaram o Atlântico, mudaram de clima, deixando a neve e o frio para trás, para trocá-los pelo sol alegre e quente da América do Sul. Sol que na sua infância distante era como as fadas ou os cavaleiros andantes que em outro tempo tinham passado pela floresta, mas que seus olhos de menino moderno não conseguiam mais enxergar.
Faz tempo, faz tempo. Das terras geladas ficou a forma de suas folhas, feitas para a neve cair e brincar de escorrer. O tronco se aclimatou, as raízes cavaram fundo, para sustentar os corpos que se sobressaem entre as árvores nativas, com formatos tão diferentes.
Irmãos, quando chegaram eram 4, trazidos pelo grande Ramos de Azevedo, que os dividiu dois a dois para que não se sentissem completamente sós, num meio diferente, longe dos primos e dos amigos que escurecem o solo fértil, mas gelado de seus chãos natais.
Dois foram para o quintal do arquiteto e dois para entrada do jardim da Luz. Qual a vida mais interessante? Depende do ponto de vista. Os que ficaram na casa foram poupados do feio do mundo. Mas será que o sentido de ser dos pinheiros não é, justamente, ver a vida e guardar suas marcas nas ranhuras dos troncos?
Quanto os dois sentinelas aprenderem de tudo que viram? Será que têm consciência da miséria e da riqueza que passaram debaixo de seus galhos? Será que sabem ou entendem os segredos dos pássaros que piam outros cantos? Será que são felizes? Impassíveis se recusam a responder, inclusive para o Quim Ribeiro do Valle que foi quem me contou deles.
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