Inversão total
[Crônica de 1 de julho de 2003]
De repente, o Voyage cruza o sinal vermelho, entra na avenida e bate num Mercedes Benz novinho, que não para e foge, como se o culpado fosse ele.
Cena de filme? Não acidente de trânsito nas ruas de São Paulo, no último final de semana. Acidente sem maiores consequências, mas que mostra o que o medo faz, porque a o Mercedes não parou, mesmo estando certo, e, provavelmente tendo sido pelo menos riscado.
Com certeza foi o medo. Medo de ser assaltado, de sequestro, ou de algum tipo de violência contra os seus passageiros. E o que é trágico, medo real e com base real, no cotidiano da cidade, onde continuam acontecendo assaltos e sequestros de todos os tipos, principalmente contra os passageiros dos belos carros importados que andam pelas nossas ruas.
É interessante imaginar o que passou pela cabeça do motorista do Mercedes quando o Voyage não parou no sinal e prosseguiu impávido, até abalroar o carrão, provavelmente blindado, que seguia calmamente pela avenida, curtindo a manhã de sol de um sábado de outono.
“Assalto? Sequestro? Qual a lógica deste louco não parar no sinal fechado e tocar pra cima de mim, senão uma violência qualquer? Vou é me mandar. Em casa vejo que aconteceu, que, de qualquer jeito é barato, perto do que poderia acontecer”.
O medo em São Paulo está invertendo todas as lógicas, alterando os comportamentos, mudando padrões mínimos de vida social. E não há nada que diga que o processo vai diminuir.
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