A travessia dos Andes
[Crônica de 17 de junho de 2008]
Eles vieram, numa bandeira ao contrário. Cruzaram os Andes de lá para cá, seguindo os rumos do Peabiru, conforme pensados pelos Incas. Do Pacífico para o Atlântico numa marcha inacreditável, através de regiões jamais imaginadas, passando frio, fome e sede.
Cruzando desfiladeiros e contornando penhascos, caminhando por desertos e margeando o Titicaca, até atingir a outra vertente e descer os contrafortes, rumo aos rios gigantes que separam o Brasil de seus vizinhos ibéricos.
Há heroísmo, tragédia, drama e muita poesia na marcha dos imigrantes japoneses, deixando o Peru em direção ao Brasil, a pé, atravessando o altiplano, a Cordilheira dos Andes, por desertos e matas, até chegar do outro lado de um mundo completamente desconhecido e estranho, do qual não tinham nenhum conhecimento, ou ao menos uma vaga notícia.
O importante era seguir em frente. Correr atrás de sonhos, já que o Brasil também era uma miragem no horizonte, para onde haviam seguido outros compatriotas, na longa travessia da pátria amada rumo a um novo futuro, muito mais duro que qualquer visão pessimista.
Quanta poesia e quanta coragem na marcha lenta de famílias inteiras – crianças, mulheres, velhos e homens – se amparando mutuamente na luta contra o clima, a altitude e a fome.
Ultrapassando doenças, fraquezas, mazelas e ferimentos, na busca de outro destino, empurrados pela fé inabalável na possibilidade de uma vida melhor, feita com sacrifícios inomináveis. Maiores até do que a travessia infernal a que se expunham, do Pacífico para o Atlântico como se o grande Raposo Tavares os guiasse na sua volta para casa.
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