Frio é bom e é ruim
[Crônica de 20 de junho de 2004]
De dia, frio é um desastre. Pouca coisa é mais desagradável do que sentir a orelha gelada, o nariz pingando, os olhos ardendo por causa da poluição. Mas a coisa vai além, e dependendo de onde estamos, a mão segura mal a caneta porque está quase dura de frio, os pés ficam gelados, anunciando a gripe que entra em seguida, com a sem cerimônia de quem sabe que é mais forte.
Inverno é inverno e quem gosta dos contos que retratam a vida paulistana nos anos 40 e 50, lendo Alfredo Mesquita, vai se divertir com as desgraças de uma constipação, com o vento encanado, com os cachecóis que as pessoas usavam para completar a ceroula que como única armadura não era suficiente para ganhar do inverno da cidade, úmido e mau, como só um inverno aqui pode ser.
No mundo inteiro, inverno é a estação em que as pessoas morrem mais, os velhos porque não aguentam o frio, os mais moços porque não aguentam a solidão e se matam, pulando da janela, bebendo raticida, tomando comprimidos.
Na média, o inverno é a estação mais feia de todas, mas a definição não é ampla geral e irrestrita. Se as plantas secam, o céu, dependendo do dia tem um azul único, transparente e profundo, como se quisesse repartir conosco os segredos do universo. Mas tem um momento em que o inverno é imbatível, em que é o melhor tempo de todos.
Pouca coisa no mundo é mais gostosa do que o frio pra gente dormir. Entrar embaixo de uma cama quente, com um belo edredom por cima, é um prazer quase tão bom quanto beber um belo vinho tinto, na frente de uma lareira acesa.
Essas coisas, só no inverno.
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