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O inverno mudou de cara e de frio

[Crônica de 16 de agosto de 2002]

O inverno de São Paulo, nos últimos anos, seguindo uma tendência que deve desagradar o guru Mangabeira Unger, decidiu mudar de cara. Ele não tem mais nada dos invernos frios dos anos 30 e 40, que são o gancho de alguns dos melhores contos escritos no Brasil, pelo pai do teatro paulista, Alfredo Mesquita.

Também não tem nada dos invernos da minha infância, nem mesmo da minha mocidade. São invernos diferentes, pelo frio diferente, pelo céu diferente, pela neblina que saiu da cidade pra se instalar nas estradas, por onde descem e sobem comboios guiados por carros madrinhas, como as antigas tropas de burros que varavam o país, levando cargas para todas as regiões.

Por conta de uma destas viagens, o pai do meu tataravô Cerqueira César deixou a mulher grávida, para voltar para São Paulo e encontrar o filho andando. O inverno era úmido e doía nos ossos. Mas muito pior do que o frio era a umidade que fazia sair fumaça da boca e que entrava pelo casaco mais quente, achando sempre uma fresta para passar no vento cortante, que machucava a carne e estremecia o corpo.

Hoje, os dias se sucedem mais ou menos iguais, sem grandes variações, quase que sem vento, pelo menos daquele que doía na alma; quase que sem frio; quase que sem neblina nas noites não tão frias.

O guru Mangabeira Unger vai dizer que São Paulo mais uma vez quer copiar o primeiro mundo, trazendo para o Brasil modas importadas e sem afinidade com a cultura nacional e que isto precisa ser revisto com a mesma dureza com que Getúlio Vargas tratou o Estado, depois da revolução de 30 e que deu no desastre que temos hoje, com o país navegando em águas turvas, até nos meses de verão.

Dr. Unger, por favor, não se irrite conosco. Não é isto, não. Foi só o clima do planeta que resolveu mudar.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.