Café com leite
[Crônica de 27 de junho de 2006]
Uma das vantagens de sofrer do estômago é que dizem que quem sofre dele tem menos chance de ter um infarto do coração. Não sei se é verdade, não sou médico, mas a explicação que diz que o corpo escolhe uma área para descarregar suas tensões e que quem tem o estômago, e suas variantes, escolhido não tem infarto porque é lá e não no coração que o cidadão vai purgar o preço da vida moderna, tem uma certa lógica. Pelo menos para um leigo.
Não sei se é verdade ou não, mas sei que eu pago meus pecados no estômago e no esôfago, com crises – graças a Deus, espaçadas – que, se eu não conhecesse a história, me fariam achar que estou tendo um infarto, tal a dor que dá no peito.
Fazia tempo que eu não tinha uma destas. Já estava quase esquecido de uma manhã em que estava indo para o antigo prédio da rádio gravar meus programas, quando, chegando na rua Vergueiro, parei o carro e me dobrei de dor, com uma crise de esofagite cobrando seu preço, ou, numa visão otimista, me mostrando que eu estava vivo.
A última não foi tão intensa, mas foi mais constante. A dor veio e se instalou. Não a tradicional queimação, coisa quase insignificante, mas dor mesmo, ainda que suportável.
Mas se ele me judiou, trouxe um outro lado que fazia tempo que eu não lembrava, e que ao contrário do desconforto e da dor, são lembranças gostosas, de um tempo bom, mas que passou.
Só quem cresceu numa fazenda paulista dos anos 1960 sabe o que quer dizer um copo de café com leite quente, numa manhã fria de inverno, vendo a névoa subir, para dar lugar ao sol e ao azul. Agora, bebendo café com leite, por conta da dor, volto no tempo em cada xícara que eu preparo.
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