Apagão
[Crônica de 16 de novembro de 2009]
De repente, a cidade ficou escura. Gente que estava nas ruas descreve o apagão como cena de ficção científica. Sem aviso a cidade foi apagando. Um lado, outro e outro, até que uma escuridão diferente tomou conta da noite.
Com ela veio outro tipo de silêncio. Para quem não sabe, todo silencio tem um barulho típico. O silencio que se seguiu ao apagão foi um silêncio denso, pegajoso e assustador. E o barulho tradicional do silêncio paulistano foi encoberto pelo novo silêncio.
O silêncio paulistano passa pelo ronco constante de milhares de motores funcionando ao mesmo tempo, acrescido de outros ruídos que podem variar de intensidade, dependendo da hora.
O silêncio do apagão cresceu e tomou conta da noite. Depois, entrou pelas residências, se impôs junto com as trevas, enquanto a luz, primeiro enfraquecia como se tivesse caído uma fase da força, para em seguida acabar de vez.
Dentro das casas, primeiro foi o espanto. E o sorriso ante a constatação de que a operadora local, como acontece sistematicamente, mais uma vez prestava um serviço de má qualidade.
Então, alguém falou com outro alguém pelo celular. O outro alguém ouvia rádio dentro do carro e sabia que toda a cidade estava no escuro. Então, as notícias sobre o resto do país começaram a chegar. Dezoito estados e o Distrito Federal estavam sem energia.
A coisa era mais grave. Passava por Itaipu. O apagão do ano de 1999 retornou, saído da gaveta das lembranças. O apagão esquecido readquiriu vida, recriando um novo fantasma.
Nos quartos escuros e quentes onde as pessoas tentavam esquecer o drama, as alternativas eram apenas duas. Sentir calor ou ser devorado vivo pelos pernilongos que já tomaram a cidade de São Paulo.
No desespero, escondido pelo escuro, toda escolha era válida: Tanto fazia cobrir-se com o lençol ou retirá-lo e ser devorado vivo, sempre sob a ameaça ininterrupta do assobio fino do mosquito mais próximo, e da certeza de que a luz não voltaria tão cedo.
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