O veneno amigo
[Crônica de 15 de março de 1998]
No imenso rol dos venenos que matam e causam sofrimento, um número muito maior do que a gente pensa serve também para salvar vidas. Começando pelo veneno das cobras, que é utilizado na fabricação do soro antiofídico, que salva milhares de pessoas picadas por cobras todos os anos, passando pelo curare que os indígenas da Amazônia usam nas pontas de suas setas, e por mais uma infinidade de produtos altamente tóxicos, os venenos que matam quando mal utilizados, servem também como remédio para combater doenças tão terríveis como o câncer.
Mas os venenos não são usados apenas para salvar vidas, na forma de remédios ou soros. Não, eles têm também utilidade na agricultura, seja nas culturas, seja para proteger e melhorar os rebanhos.
Por conta disto, um dos venenos de memória mais triste do Brasil transformou-se num grande aliado do produtor rural, aumentando a produtividade dos canaviais e melhorando as condições de produção da terra, evitando erosões e preservando o solo, que, pela sua aplicação, ganha uma fertilidade extra e uma resistência maior aos efeitos do clima e do cultivo.
Dizem que do boi só se perde o grito. Pois da cana-de-açúcar, hoje, não se perde nem o grito. É que cana não grita. Cana vira açúcar, álcool, pinga, energia e fertilizante, em silêncio, moída nas máquinas das usinas.
Neste processo, o último resto, a derradeira sobra, o veneno que até poucos anos servia par matar os peixes dos rios próximos das usinas, é o vinhoto. O vinhoto causou estragos terríveis na população de peixes dos rios paulistas. Ele era odiado e o que é pior ninguém sabia muito bem o que fazer com ele.
Até que pesquisas de campo mostraram que o vinhoto, aquele veneno horroroso que matava sem piedade, era também um fertilizante riquíssimo e que, se bem aplicado, poderia melhorar em muito a rentabilidade dos canaviais.
Hoje não há canavieiro que não se sirva do vinhoto para melhorar sua produção e o resultado são safras cada vez maiores e custos mais baixos.
Graças ao vinhoto ganham os fazendeiros e os trabalhadores, as usinas e o governo. De verdade, com o vinhoto, ganha o Brasil.
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