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Poluição visual

[Crônica de 27 de novembro de 1997]

São Paulo não é famosa pelos cenários bonitos. Mesmo tendo uma praça do pôr do sol, a USP, o Ibirapuera e mais meia dúzia de lugares deslumbrantes, dentro da sua imensa área, eles não representam quase nada, apenas uma gota d’água no imenso oceano de sua paisagem cinza.

Cinza é o ar, os muros, as ruas. No seu cinza São Paulo prima por ser discreta. Como se não quisesse chamar a atenção para os seus contrastes, a cidade esconde atrás da neutralidade da sua cor suas misérias indescritíveis e as fortunas inimagináveis.

É raro o canto onde o verde seja simplesmente verde, com não mais do que meia dúzia de árvores e arbustos e um pequeno espaço para crianças brincarem e quatro ou cinco bancos para quem tem tempo ver a vida passar.

Um destes lugares era a praça Vilaboim. Antiga paisagem europeia perdida no coração da metrópole, a pracinha escondida na divisa de Higienópolis com o Pacaembu guardava seus horizontes, que nunca foram muito amplos, para os moradores das imediações pensarem numa outra vida, mais calma e mais sutil, vendo suas árvores subirem em direção ao céu, manchando o azul com seu verde.

Só que o cenário mudou. Agora, sentar-se num banco de praça para ver o céu e as árvores leva a um outro cenário, que tem como fundo um enorme luminoso, todo colorido, chamando os astronautas para um lanchinho feliz.

Não, a culpa não é da rede de fast food, nem de ninguém especificamente. A cidade cresceu sem controle, se espalhou sem controle e continua sem controle, pagando um preço absurdo por isto.

Quem sabe a poluição visual seja o menos oneroso destes custos, mas que uma regulamentadinha no assunto não faria mal a ninguém, com certeza não faria.

Apenas a título de colaboração, na Europa o mercado segurador já está discutindo os danos causados a paisagem e como cobri-los sem levar as seguradoras à falência.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.