Expansão
Espanto? Não, nem mesmo surpresa. Quando você surgiu da bruma da madrugada, iluminando o quarto com a ideia da sua chegada, você foi a consequência lógica do momento, a sequência natural dos fatos. Nem poderia ser diferente.
Naquela hora, com a noite escura dividida por mim e pelo canto sem sentido de um pássaro notívago, só a sua presença teria sentido.
Por isso sua chegada não causou espanto, nem mesmo surpresa. Você, inconscientemente, era aguardada desde o começo da noite, para aliviar a tormenta da madrugada em claro, com tudo de terrivelmente palpável e dramático que a insônia, nesta hora, traz consigo.
Nada é mais brutal do que a solidão das cinco horas da manhã!
Intensa, doída, sem piques, nesta hora, a solidão do ser humano explode toda a tragédia da nossa insignificância, transmitindo de forma clara, gravada a fogo nas trevas, a certeza da nossa solidão diante do universo e da falta de apoio dentro da vida.
É um momento dramático, onde nossa alma, nua, expõe de forma inexorável todas as nossas mazelas, os nossos fiascos, as nossas deserções. Um momento em que não há como esconder o nosso lado mais mesquinho. Um momento em que nem mesmo uma lágrima arrancada a fórceps amolece a severidade de nossa condição humana, com o que ela tem de feio e de fraco, por ser humana.
Foi no limite de um momento destes que você surgiu das trevas, plena, brilhante como uma estrela numa noite sem lua, dona da noite, com seu brilho de astro de primeira grandeza.
E eu a recebi sem espanto porque eu sabia que você viria, porque só você poderia me arrancar daquele instante, refazendo o momento e o transe da mente numa explosão da alma, transcendental como a criação do universo.
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