As músicas e os táxis
Tem todo um universo de músicas lindas que são quase impossíveis de serem ouvidas, pelo menos antes das cinco horas da manhã. São músicas deslumbrantes, mas são tristes demais e dão vontade chorar, o que só combina com quatro ou cinco uísques e a certeza de que não iremos dirigir, porque álcool e automóvel não combinam.
Portanto, feita a mistura, a solução é tomar um táxi para voltar para casa. E a gente sai pra rua, comovido como o diabo, ainda com as lágrimas escorrendo, abraçado com o melhor amigo do mundo, que conhecemos faz 15 minutos, chorando na mesa ao lado, um mais emocionado do que o outro, cantarolando “ Ne me quites pás”, ”Bom dia”, “ A man alone” e outras pérolas da música mundial, certos que o fim do mundo vai acontecer em meia hora e o jeito é tocar em frente, com o máximo de dignidade, porque qualquer outra solução é covardia.
As ruas da cidade, escuras, cinzas, molhadas pela chuva que aproveitou para cair quando ainda estávamos dentro do bar, são o cenário ideal para a cena. O reflexo do molhado no asfalto, iluminado fracamente pela lâmpada da rua que faz de conta que ilumina, mas não ilumina, bate nos olhos e nos faz lembrar das lágrimas e da dor de corno na sua origem.
É preciso ficar alegre para recuperar a honra perdida. Homem que é homem não chora por causa de mulher, quer dizer, pelo menos não deveria chorar, especialmente às cinco horas da manhã, abraçado com um desconhecido, numa rua suja no meio da cidade.
Longe, no começo da rua dois faróis aparecem e isso quer dizer que atrás vem um carro.
A gente faz sinal, o carro, uma perua negra com um enfeite gozado em cima, para e a gente entra, para descobrir que não é um táxi, mas um carro de defunto.
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