O gesto
Teu gesto tem qualquer coisa de eterno, de muito antigo.
Como se ele exprimisse o primeiro sentimento de carinho da primeira mulher, ele fala de coisas quentes, de sensações boas, de proteção e de segurança.
Ele fala da enorme responsabilidade de criar e manter o lar. De fazê-lo acolhedor. De trazê-lo limpo.
Teu gesto se expressa nas pequenas coisas. No cuidado com que você escolhe comida, nas flores e nas plantas que enfeitam a casa.
Para você cada detalhe é necessário, como o sol ou como a luz que ilumina cada pedaço da casa.
Tudo é exato e completo. Nada é a mais ou a menos. Tua noção de espaço comporta pouca poesia, mas a poesia não está na tua noção de espaço, a poesia mora nos teus atos, capazes de colocarem a casa abaixo só porque um armário está sujo, ou porque aquela cadeira fica melhor de três quartos.
Teu carinho mal dissimulado e do qual você sente como que vergonha, explode em ações únicas, que dão vontade de rir, não porque são gozadas, mas porque são ternas, e falam duma humanidade da qual você está impregnada, e que extravasa em cada gesto, como a água que ultrapassa a borda da represa e cai lentamente, formando um filete fino mas constante.
Tua constância… Quem sabe tua fuga, mas ao mesmo tempo tua batalha.
Cada gesto é repetido de novo e de novo, com a insistência dos obstinados, como se dependesse dele o equilíbrio da vida e a certeza da família.
Teu gesto tem qualquer coisa de farto, como a chuva caindo e garantindo a colheita, como os campos semeados, como o cheiro da terra molhada misturado com o das plantas cortadas.
Teu gesto tem qualquer coisa de eterno. Em você o primeiro gesto de carinho da primeira mulher se multiplica em pequenos gestos banais que são a essência da própria vida. Da tua condição de mulher.
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