Horas escuras
Tem horas na vida que parece que o mundo vai desabar sobre nós. Aliás, tem horas na vida que a sensação é de que o mundo já desabou, sem que tivéssemos tempo de fugir. Ele cai com tudo em cima da gente, ferindo, derrubando e arrasando, como se dois furacões e um terremoto nos atingissem de uma única vez.
A paulada dói no mais fundo, no canto sensível da alma, quebrando as ilusões e machucando os sonhos.
Seus sinais começaram bem antes. Uma brisa no mês passado, um ventinho trasanteontem, uma rajada ontem, até que o tempo vira de vez e a tempestade se abate sobre nós com a fúria dos deuses ao descobrirem que os homens lhes haviam roubado o fogo.
A sensação é tão ruim que até chorar não resolve nada. Os olhos se enchem de lágrimas mas o alívio não vem. O vazio continua dentro da gente, crescendo, crescendo, tomando cada sentido e cada sentimento.
Nos viramos para um lado, nos viramos para o outro e tudo o que temos são silêncios que nos falam com eloquência sobre o tamanho da mágoa e a intensidade da dor.
Ninguém nos ampara. Ninguém se aproxima. Nós não deixamos ninguém se aproximar. O sofrimento é tão intenso e dói tão fundo, que temos medo de nos machucarmos mais, por isso não deixamos ninguém se aproximar.
Mas a solidão também não nos traz alívio. A solidão nos conta apenas que ela vai aumentar e que a dor vai aumentar com ela.
Fora a tempestade ruge furiosa. Arranca os telhados, derruba as paredes, nos deixa desamparados debaixo dela.
Nada nem ninguém zela por nós. Encharcados, sentimos que mais e mais coisas ruins nos atingem. Os tapas e os safanões vêm por todos os lados, um depois do outro, um por cima do outro, um junto com o outro.
A vontade é de entrar dentro da terra e não sair mais. Esconder a cabeça, como faz o avestruz, e deixar que o mundo se acabe, porque morrer, física ou intelectualmente dá exatamente no mesmo, se não trouxer alívio para um sofrimento que não tem alívio.
Então, de repente, uma sombra chama a nossa atenção. Olhamos e vemos uma mão. Sentimos um gesto extremamente leve, como que com vergonha, nos tocar. Sentimos a mão passar por nossa cabeça, tirando um pouquinho do peso imenso que nos sufoca e nos achata.
Depois, sentimos a mão tomar nossa mão e nos puxar, lentamente, para fora dos escombros. E nós vamos, agradecidos, dispostos a recomeçar a viver.
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