A unanimidade inteligente
[Crônica do dia 28 de julho de 1998]
Nelson Rodrigues, do alto de sua inteligência e do seu sarcasmo, dizia que toda unanimidade é burra. e eu, debaixo das minhas limitações, sempre concordei com o grande escritor brasileiro.
Sem chegar a colocar no mesmo terreno baldio a cabra, a grã fina, a aluna de psicologia da PUC e o padre de passeata, para saber qual era mais fã de Che Guevara, sempre tive um respeito enorme por ele, porque é, e sempre será, um dos maiores escritores e um dos homens mais inteligentes deste país.
Se pararmos para pensar, a frase é lapidar: “toda unanimidade é burra”. O que pode ser mais cirúrgico, mais exato, do que a sua colocação? nada! E, no entanto, não é bem assim.
A vida não é branca nem preta, a vida corre perto do cinza. e, o que é terrível, com um aguçadíssimo senso de humor. Pois a vida, que adora contrariar tudo e todos, decidiu provar que Nelson Rodrigues estava certo, mas que sua regra, aliás, como todas as regras, comporta exceções.
Para isso ela se valeu de São Paulo e do estado lastimável de suas ruas. Toda a população da cidade, incluída boa parte dos poucos admiradores do prefeito, concordava que o estado das ruas paulistanas era trágico, representando forte desgaste político para o alcaide e para seu protetor, já em plena campanha para o Morumbi.
Impávido, o prefeito não concordava. Do alto do seu poder de prefeito da maior cidade da américa do sul, achava o nosso asfalto um colosso. Foi aí que a vida deu o bote e até o prefeito mudou de opinião.
Agora, São Paulo tem uma unanimidade inteligente: todos concordam que o asfalto da cidade precisa comer muito feijão para ao menos ser chamado de asfalto.
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