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Querem derrubar a ponte

[Crônica de 10 de fevereiro de 1997]

Segundo minha filha, a ponte da Cidade Universitária, quando a gente olha para cima é linda, mas quando olhamos para baixo é muito feia. O comentário pode parecer estranho, mas, dentro da sua lógica está absolutamente correto.

Às sete horas da manhã, com o sol nascendo à direita de quem vai do Butantã para a praça Panamericana, num dia de céu limpo, com os prédios em frente saindo da névoa, misto de poluição e neblina, a vista superior da ponte é realmente linda.

Situação que se modifica completamente quando olhamos na altura dos olhos ou para baixo. Lá embaixo, negro e parecendo mais um duto de petróleo do que um rio, o Pinheiros se esparrama como uma gosma opaca e mal cheirosa, onde o brilho do sol ressalta os insetos que infestam sua superfície, num balé trágico que elogia as doenças e as epidemias.

Na altura dos olhos, a situação é ainda mais triste. A própria ponte, ou o que vai sobrando dela, aparece arrebentada, margeada por blocos de cimento que escondem suas calçadas destruídas e seu canteiro central esburacado, sem os postes de iluminação e cheio de ferros retorcidos, como se fossem as veias da ponte expostas, já sem sangue, num monumento triste mas realista em homenagem a incompetência administrativa que judia São Paulo há tanto tempo.

Mais triste ainda é o estado do asfalto ou o que dele sobrou, e por onde carros e caminhões gigantescos passam correndo sérios riscos, por conta dos desníveis e crateras de todos os tamanhos que ameaçam constantemente faze-los tombar.

Como uma ponte pode ser primeiro deliberadamente arrebentada, em nome duma reforma que nunca seria feita, e depois abandonada, entregue ao tempo e ao desgaste do uso, sem qualquer manutenção por parte da administração pública?

Será que ela é dispensável para a cidade? Será que estão se servindo dela para alguma experiência secreta a respeito da resistência dos materiais submetidos à condições extremas de uso?

Não sei, e posso apenas concordar com minha filha: a vista da ponte vista para cima é linda…

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.