Os macacos e as pitangas
Fim de tarde. Estava desligando o computador, a Clotilde começou uma latição forte no jardim da frente de casa. Acabei de fechar o armário e saí para ver o que estava levando a Clotilde à loucura.
É comum ela latir tentando meter o focinho por baixo do portão, mas não é uma latição desesperada como a que ela tinha começado. Normalmente, quando algum cachorro passa pela rua ou gente fica parada na frente de casa, a Clotilde late, mas um latido civilizado.
Ela perde a referência quando os macacos do bairro chegam perto do muro, andando pelos fios ou balançando nos galhos das árvores próximas. Aí a Clotilde sai feito louca correndo de um lado para o outro, feito piloto de kart fazendo curvas fechadas, que já custaram operações em suas duas patas de trás, porque, de tanto fazer curvas, ela arrebentou os ligamentos.
Como a latição não parava, saí e fui ver o que era. A Clotilde estava correndo em volta das azaleias que cercam a pitangueira. Corria, parava, olhava para cima, latia, corria de novo, repetia tudo outra vez.
Quando eu me aproximei da pitangueira, percebi que os galhos mais altos estavam balançando e não tinha vento para isso.
Quando olhei melhor, dei com eles encarapitados na árvore, no bem bom da vida, comendo pitangas no pé. Quatro ou cinco saguis tinham pulado da árvore da rua para a pitangueira dentro do jardim e estavam felizes da vida, comendo pitangas, indiferentes aos latidos da Clotilde que, eles sabiam, não conseguiria alcançá-los.
Coisas dessa cidade que vai se tornando a moradia dos animais que migram da floresta e se instalam na cidade, aproveitando o conforto urbano, com água tratada, comida farta e amplos espaços para suas tocas.
Foi assim que eu descobri por que minha pitangueira não deu muita pitanga. Ela deu, mas os saguis comeram.
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