Seu Luiz morreu

Ele era o dono do Largo do Arouche. Durante mais de 15 anos, foi o engraxate oficial do pedaço. Atendia advogados, delegados de polícia, investigadores, traficantes, cafetões e o mais que circula pelo pedaço, um grande quarteirão que poderia ser das regiões mais bonitas da cidade, ainda mais se unido à Avenida Vieira de Carvalho.

Seu Luiz conhecia todo mundo, cumprimentava, passava recados, recebia encomendas, trocava códigos, interagia com o bem e com o mal. Afinal, ele não tinha nada com a vida dos outros. Cuidava da sua e dos sapatos de seus clientes e o resto não era com ele. Guardava sua opinião para si e para os amigos mais chegados. Não procurava inimizades, nem fazia força para conhecer quem ele não queria. Seu Luiz era um sábio.

Entre suas máximas, ele explicava que cavalo de corrida comia capim, casa, fábrica, mulher e o mais que o cidadão que jogava pudesse perder, inclusive vergonha na cara e o amor-próprio.

Para ele o jogo era pior do que a bebida. Sentia perna dos jogadores que passavam pela praça e me mostrava quem eram eles, sempre com uma palavra triste no começo da história.

Durante muitos anos Seu Luiz engraxou meus sapatos. Sempre às quintas-feiras de tarde, antes da sessão da Academia Paulista de Letras. Era um ritual. Eu passava de carro do lado da cadeira dele e o avisava que estava chegando. Ele me respondia com um aceno e dizia em quanto tempo eu podia ir engraxar.

Até que, um belo dia, depois da pandemia, Seu Luiz não apareceu mais. Fiquei preocupado com o sumiço, mas não consegui notícias dele. Faz pouco tempo que o Célio, funcionário da Academia me contou. O filho do Seu Luiz disse para ele que o pai tinha morrido. Descanse em paz, Seu Luiz! Que a eternidade lhe seja leve e que você siga contando suas histórias. 

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