Um bom engraxate é um artista
[Crônica de 23 de novembro de 2014]
Casa vez mais, tem menos engraxates na cidade. Faz tempo que eu abordo o tema, confesso que com tristeza. Um bom engraxate é um verdadeiro artista.
Ele deixa sua marca no sapato. Quando comecei a trabalhar, lá se vão muitos anos, o Centro era o campo de ação de centenas de engraxates espalhados pelas praças, barbearias e galerias. Chegaram inclusive a erguer um lugar especial para eles, bem no meio da Praça Antonio Prado.
Tinham os melhores, os bons, os não tão bons e os que não sabiam o que faziam, como acontece em todas as profissões. Os melhores tinham freguesia fixa e era comum irem até as casas dos clientes retirar os sapatos e devolvê-los mais tarde, devidamente engraxados.
Com a chegada do homem à lua e a mudança radical dos sapatos para os tênis, os engraxates entraram em extinção. Ninguém engraxa um tênis, então eles foram perdendo espaço e deixando de serem uteis, o que fez a profissão deixar de atrair novos talentos, como Seu Pereira, no Largo do Ouvidor, ou Seu Luiz, no Largo do Arouche.
O processo foi relativamente lento. Em 30 anos foram diminuindo, mas até hoje os encontramos – em número bem menor – nas imediações do Fórum João Mendes, no Largo do Ouvidor, na Praça da República, na Praça do Patriarca, em volta da Biblioteca Mário de Andrade e mais 4 ou 5 lugares, incluído o Aeroporto de Congonhas, onde trabalham engraxates de primeira linha.
Pode mais quem chora menos, ou vice-versa. Não dá para dizer que nunca mais teremos engraxates em São Paulo. Afinal, a moda vai e volta. O que é certo é que atualmente seus serviços não são mais tão requisitados, por isso vão minguando, engolidos pela distância do tempo, quando o Centro era o coração da cidade.
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