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Os contrastes do metrô

[Crônica de 30 de setembro de 1999]

Andar de metrô é visitar as entranhas da cidade, sentir a vida fluir por seus túneis como o sangue corre por nossas veias, incessante, contínuo, num ritmo próprio, que pulsa movido pelo enorme coração da metrópole permanentemente acordada.

É ver a vida refletida nos olhos e nas caras dos passageiros. É verificar os contrastes entre cada um. Seu jeito, a forma como segura a barra de ferro para não cair com os movimentos do trem, se é tímido ou agressivo, se procura sentar-se rapidamente, se espera – o que é raro – para ver se alguém mais necessitado quer se sentar no lugar visado.

O metrô mostra um retrato impressionante da vida urbana em suas diferentes formas, em suas diferentes horas. Uma realidade que se impõe clara, melhor ainda quando os trens circulam mais vazios e é possível olhar os passageiros sentados nos bancos, cada um com sua vida, com seus problemas, suas mágoas, suas alegrias.

Debaixo da terra, os trens criam painéis surpreendentes na sua eterna pressa de chegar sabe Deus aonde e por que, carregando gente vinda sabe Deus de onde e por quê?

É um mundo único, interagindo com os outros mundos que vêm a luz do dia e que trabalham sob os raios do sol.

Dentro das estações, iluminadas pelas lâmpadas frias, a vida também acontece normalmente fria, distante como a claridade quando o trem se afasta das plataformas.

Cada um é uma ilha isolada no enorme arquipélago formado pela malha urbana.

Ninguém olha nos olhos de ninguém. É melhor não olhar. 

Ninguém procura ninguém, porque também é melhor não procurar.

Cada um cuida do que é seu, circulando pelas plataformas sempre limpas, pelos trens sempre limpos, carregando consigo suas alegrias e suas tristezas, e sua consciência, às vezes, mais suja do que os trens ou as plataformas.

Cada um entra e sai, sem deixar uma marca, exceto um número na catraca.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.