A Santa Ferraz de Vasconcelos
[Crônica de 2 de agosto de 2002]
A igreja não gosta muito de investigar milagres. Neste assunto, é melhor o boato do que o fato. Enquanto a história se resume a estórias, é fácil não se fazer nada, e deixar a fé aumentar, divulgada pelas palavras dos crentes – que não passam de palavras.
A coisa inteira muda na hora que uma santa se instala numa janela, e se mostra, impressionante, a quem passa pela rua.
Em Ferraz de Vasconcelos a santa escolheu o vidro de uma casa para ficar estampada. Poderia ter escolhido um barraco de favela, ou uma mansão, mas não, a santa quis e teve o vidro da janela de uma casa normal, sem nada de extraordinário, que é o mais difícil de ser escolhido e o mais difícil de ser compreendido.
Se a santa é milagre ou não é o que ninguém sabe e a igreja preferia que continuassem sem saber. Milagre é moeda escassa. Deus não gosta de gastá-los, menos ainda quando sua utilidade prática é pequena, como é o caso da imagem no vidro de Ferraz de Vasconcelos.
Por outro lado, milagre é aquilo que o povo não explica, mas tem uma aura divina, que o leva a crer na existência de Deus e que o pai está próximo, velando por ele.
A imagem surgida do nada, estampada no vidro é a prova do poder do senhor e o sinal de que ele está perto de seus filhos, ou dando a chance de seus filhos se aproximarem dele, visitando a imagem da janela.
Crer. Acreditar no mistério é a mola que move o mundo. Mais do que aceitar o mistério, acreditar no mistério é crer em Deus e em sua presença, em todos os lugares, em todos os tempos.
Que importa a origem física da imagem da santa no vidro de uma janela de Ferraz de Vasconcelos? O milagre é outro: é a santa ter escolhido uma janela para ressuscitar a fé mais pura no coração dos homens. Para lembrar ao homem que Deus existe no mais fundo dele.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.