Quarta-feira de Cinzas
[Crônica de 5 de março de 2014]
O carnaval vem, esquenta e acaba. Quatro dias sem limites, de loucura, de festa, de falta de responsabilidade. De encontros e desencontros sem compromisso. De um amor, uma fantasia, um beijo de tchau e até nunca mais. Não sei, nunca soube e não saberei seu nome.
Nem você o meu. Basta seus olhos cravados em mim, o sorriso, a mão aberta… e a festa, meu Deus, a festa! Mas agora é outro dia, depois dos quatro de absoluta folia. Quando era noite, quando era dia? Quem era quem?
Agora o sol brilha e você vê tudo embaçado, a boca seca como se tivesse engolido um corrimão de metrô, os olhos ardendo e a promessa de nunca mais fazer nada parecido se alguém lhe arrumar um Engov.
Será que a bebida era falsificada? Mas se só bebi cerveja… Cerveja ninguém falsifica. Ou quase. Quer dizer, eu quase só bebi cerveja. Teve umas pingas, gim, vodca, será que teve mais?
Se teve, o que foi? Ou, melhor ainda, se teve, com quem foi? A noite é um enorme buraco, escuro feito a noite depois de uma tempestade numa noite sem lua.
No máximo você recorda vultos. Indistintos, distantes, sem nome, sem rosto, apenas um vago sorriso perdido atrás de uma coluna em algum lugar onde você esteve, mas você não se lembra, nem se tinha colunas.
Tanto faz, agora é tocar em frente. O que foi, foi. Não adianta chorar pelo leite derramado. São Tiago de Compostela coloca a mão embaixo. O resto é entregar a Deus porque o que está feito está feito, não adianta nem tentar se lembrar.
Ao contrário, é melhor esquecer. Deixar a ressaca passar, tirar o que sobrou da fantasia, se vestir para trabalhar, fingir que é macho e atacar a vida de frente. Eita dor de cabeça!
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