Refilmagem

[Crônica de 15 de julho de 2000]

Cada vez mais me convenço de que o mundo funciona por ciclos. Ciclos que se sucedem, como se sucedem os ciclos da lua, e com eles o ciclo das marés e o ciclo das mulheres que são a essência dos ciclos da vida.

Vendo minhas filhas com suas calças boca de sino com a bainha desfiada, me vejo trinta anos atrás, com calças iguais, no mesmo Guarujá, este bem diferente, acordando tarde e saindo de noite, indo dançar, naquele tempo nas boates, enquanto hoje elas vão às danceterias ou às discotecas.

No mais, a mesma lua cheia no mesmo céu com poucas nuvens que a lua usa para realçar seu brilho e fazer-se dona da noite, clareando o mar e abrindo nele uma estrada que minhas filhas ainda não descobriram, porque a danceteria que vão não fica no alto do morro do Maluf e por isso não é possível ver a trilha de prata abrindo o mar para tirar das suas águas o mistério da noite e a poesia da mocidade apaixonada.

Ah, lua cheia de todos os meninos que crescem e descobrem que a vida vai além de brincar na areia!

Lua cheia dos primeiros namoros sentados na mesma areia em outro momento da praia. Lua cheia dos primeiros versos – que a gente não sabe que são versos – da imensa poesia da vida acontecendo.

Lua cheia de um Guarujá que é outro, nem melhor, nem pior, apenas diferente do Guarujá de quando eu tinha a idade delas e eu também me arrumava para sair de noite para descobrir o espanto da vida nas salas escuras do Mustachinho ou do Aquarius.

Vê-las se aprontarem, animadas, falando sem parar, zanzando de um lado para o outro, num desfile incessante em busca da beleza perfeita, é reviver minha irmã e minhas primas andando pelo mesmo apartamento, com as mesmas vaidades e as mesmas inseguranças; é me ver na frente do espelho, passando perfume e penteando o topete, para encontrar os amigos e ficarmos em bando, tateando os mistérios da noite.

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