Tragédia esquecida
O João Lara publicou um artigo fascinante no seu site Mar Sem Fim. Nele, o João descreve a sorte dos grandes navios de passageiros depois da pandemia do coronavírus. É um retrato desesperador de uma realidade sem esperança de final feliz no curto prazo.
São mais de trezentos navios navegando pelos oceanos do mundo sem poder atracar, sem poder desembarcar suas tripulações, dezenas de milhares de pessoas confinadas nos espaços limitados dos deques sem passageiros das enormes embarcações transformadas em navios fantasmas, sem portos, sem festas, sem bandeiras, apenas as máquinas funcionado e o zumbido dos motores ecoando nas cabines vazias, nos corredores desertos, nos salões sem o barulho das pessoas.
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Esquecidos, os navios não podem atracar e não podem parar. Não podem desligar as máquinas, apagar as luzes, fechar as portas.
Simplesmente seguem em frente, como se fosse dia de partida, mas sem a alegria dos passageiros embarcando, o movimento frenético corredores a fora, ao longo das amuradas, nos terraços das cabines. Nada, nenhuma bagagem, apenas a rotina sem novidade, o tédio, o desespero de saber que não se pode desembarcar, somando meses futuros aos meses passados, sempre com a mesma vista, o mesmo pôr do sol, o mesmo ronco das máquinas e o medo das tempestades e dos furacões.
Imagine o enorme palácio flutuando lentamente, girando na corrente da âncora, parado em algum porto perdido da Ásia, próximo de alguma ilha no Caribe, no Mediterrâneo, na costa norte-americana.
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Lentamente, a ferrugem se instala, o mofo se infiltra e as cracas tomam o casco. Nada quebra a rotina.
Lentamente, a alma mofa, a esperança morre, a vontade de chorar explode, mas não há mais lágrimas para limpar a face do tripulante sem expectativa para o dia seguinte.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.