Neve tropical
A neve caiu em flores brancas dos galhos do ipê. Cobriu a calçada e criou um cenário de inverno nórdico, como que prometendo para depois, para a madrugada da noite seguinte, uma aurora boreal.
Leve, branca, limpa como a neve antes de ser manchada pela vida da cidade, a flor do ipê branco cai lentamente, descendo da árvore em direção à calçada, onde se instala, ao lado de outras, formando um tapete de sonho, depois de uma florada de sonho.
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A neve é fria. As flores são quentes, ainda mais sob o sol que não respeita a regra dos dias frios no inverno e nos traz dias de verão para confundir os sentidos.
A beleza da florada dos ipês brancos é rápida, fulgurante, meteórica feito um satélite correndo atrás da lua cheia. Corrida espacial na qual a lua será sempre a lua e o satélite um dia deixará de ter sentido.
A florada dos ipês brancos foi mais forte no quarto minguante. Vontade ou atavismo para perpetuar o branco da lua cheia nas árvores floridas, com flocos de neve transformados em pétalas delicadas.
Nevasca tropical. Localizada, delimitada pela distância possível para o voo das flores carregadas pelo vento, na distância entre o galho da árvore e a cimento frio da calçada.
Sonho alpino materializado pela flor sul-americana, no universo limitado pelos horizontes curtos da cidade.
Ipê e neve são contradições, impossibilidades, mas que se materializam na poesia das flores caindo como flocos carregados pelo vento na antevéspera da noite de Natal.
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Entre a neve real e fria e a flor real e quente, a distância é um fechar de olhos, um estender de mãos, acreditar que a vida tem toda as possibilidades e que um beijo cura as pandemias da alma.
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