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Largo do Arouche

Uma das árvores mais impressionantes da cidade está lá, no Largo do Arouche, como diz o Seu Luiz, meu engraxate, filósofo e coproprietário do pedaço: ”a curva do rio”.

A curva do rio é onde tudo o que desce, levado pela correnteza, bate na margem, fica preso nas tranqueiras e nos galhos, se acumula, numa soma fantástica do mais inusitado com o mais inusitado ainda.

O Largo do Arouche é a curva do rio da cidade de São Paulo. Lá tem de tudo, todas as raças, todos os gêneros, todas as religiões, times de futebol, poderes e poderosos, e a falta deles.

Poderia ser uma praça linda, com suas árvores e seu jardim, suas bancas de flores, restaurantes e os prédios em volta… mas não é.

Ao contrário, o Largo do Arouche está feio. Maltratado, mal preservado, o que poderia ser lindo fica feio. Pichado, coberto de lama, lixo e pó, o Largo não encanta, a não ser que se procure atentamente a beleza escondida por décadas de descaso da Prefeitura.

Pelo Largo do Arouche circulam os tipos mais exóticos, interessantes e inesperados. Acadêmicos da Academia Paulista de Letras cruzam com traficantes de drogas africanos, enquanto polícias fardados e à paisana se misturam com jovens andando sem pressa, sem fazer nada, namorando, largados no chão, nos bancos ou encarapitados nas estátuas.

Do outro lado da rua, o Instituto do Câncer abre suas portas para quem precisa de auxílio. Do lado de cá, o restaurante francês é um dos melhores de São Paulo. Em frente, as bancas de flores dividem suas cores, na tentativa de atrair os fregueses, hoje mais raros do que 20 anos atrás.

O que tinha tudo para ser palco da mais alucinada violência se curva ao peso do trailer da polícia. A calma engana quem passa pelo pedaço. Em baixo das aparências, a vida vibra, única, inesperada e perigosa.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.